às pessoas que são cidades inteiras,
Matilde Campilho escreveu um verso de que gosto muito: “Meu filho tente não fazer de ninguém uma cidade”, considerando que, quando sair da cidade não poderá regressar já que será atormentada para sempre. Matilde segue certíssima.
Peço licença à Matilde porque as coisas ficaram estranhas. Resolvi me tornar uma cidade inteira.
Ela tem seus becos e incongruências, coisa que toda cidade há de ofertar.
A Avenida Principal brilha que só, tem até mar porque choro com gosto. Mas um estranho que se aproxima verá também entulho. Isso, nessa mesma Avenida Principal.
O trabalho é lento: recolher o lixo e colocar no lugar certo. Encontrar um espaço na psique onde a sujeira pode se decompor em paz.
Quando você passa a orla e vai entrando, os bairros mais queridos parecem o Bom Fim.
De ruazinhas escondidas, de feira no sábado de manhã, de quintal e de varandinha. É nesses que guardo as outras pessoas que também são cidades inteiras. Eis como elas podem ser uma cidade:
~todas as pessoas que são cidades são maravilhosas em caos e ternura~
Manual para ser uma cidade
crescer em sonhos e estatura, mas nunca em vaidade: uma pessoa é uma cidade quando retorna à casa onde nasceu (por gosto, para lembrar de si, para ver os seus) ou à casa que melhor lhe cabe, ou ao local de retorno. Mas existe um local de retorno
cuidar dos jardins [os literais]
cuidar dos jardins de dentro
pisar firme no concreto e leve na grama (de preferência com os pés descalços)
não acreditar em organização universal: uma cidade é sempre bagunçada (a não ser Gramado, mas, honestamente, alguém consegue VIVER em Gramado? [me refiro àquele centrinho construído para nos enganar rs, não à cidade em si, que deve ser outra quando se apagam as luzinhas de Natal]; até Brasília que foi planejada do zero tentou. Bem, a gente conhece a bagunça que deu)
não abrir mão do pequeno: os cantos, os becos, a rua que ainda é de lajota, o vizinho.
não se deslumbrar com os grandes prédios. eles estão lá por puro ego.
mas apreciar as boas vistas. e olhar tudo com calma, dando o nome certo às coisas e ao amor: se São Sebastião do Rio de Janeiro é quem toca seu coração, vai ficar difícil você se apaixonar por São Paulo.
Se você está lendo essa newsletter pelo site, pode assinar clicando aqui:
às vezes sinto que fui eu que escrevi. quanta sensibilidade. obrigada, Lou. <3