ao risco de agarrar a arte,
Um dos estímulos que me faz continuar escrevendo — mesmo nestes tempos saídos direto do túnel do horror — é a garantia de que o fator surpresa existe. E aparecerá de forma inevitável.
É impossível prever se algo ao que se dedica naquele dia será bom ou ruim. E, no entanto, você ainda assim deve aplicar total atenção ao ofício, como se fosse o mais importante que fará hoje.
Muitas vezes não funciona. Este texto mesmo poderia cair num clichê muito conhecido de que “pior do que criar algo ruim, é se arrepender de não ter criado nada”.
Os clichês vão e voltam, e este em específico tem sua utilidade: naquele momento em que o criador necessita de algo que o destrave e o coloque sentado na mesa de trabalho.
A verdade é que a única certeza do processo criativo reside no fator surpresa. Em aguardar a próxima frase, e ao mesmo tempo buscá-la no fundo da mente, trazê-la à superfície e confiar de que ela será a melhor expressão do que se quer dizer naquela linha. Ainda assim, trabalhar com o dicionário ao lado. Por que uma frase sempre pode ficar melhor.
Acender velas para chamar as deusas da imaginação e sentar a bunda na cadeira para não esperar por elas. Ousar escrever algo ruim e não se arrepender, mas apagar e editar porque realmente ficou uma merda. Andar com um bloquinho de anotações na bolsa mas desapegar quando a ideia for embora. Não era sua. Confiar na intuição e checar se o texto está verossímil.
O jogo é se manter no contraditório. Só assim o fator surpresa aparece, e alguém cria coisas lindas como “Baby”. Imagina se a Gal achasse “margarina” uma palavra boba para entrar em uma das músicas mais bonitas da língua portuguesa?
Abra espaço. Sirva-se do contraditório porque de utilidade e função já se criou um mundo inteiro. Temos as contas, o pão, a louça. Coloque a arte em outro plano, na prateleira mais alta. Mas tenha uma escadinha de alumínio para não deixá-la sempre lá. Suba os degraus. Pegue o que lhe toca. Jogue na amarelinha da vida, ousando pisar nos traços e apagar o giz.
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