uma graça do mistério.
Outro dia um amigo me chamou para a conversa. Queria contar uma coincidência. Eu sou toda ouvidos a esse tipo de história, que une acontecimentos aparentemente banais com algum tipo de elucidação da mágica diária.
Diz o meu amigo:
“Há pouco mais de uma semana comecei a pensar em uma garota que conheci em 2017 e que nunca mais tinha visto. Pensamentos aleatórios, ela simplesmente surgia na minha cabeça, e eu rapidamente ignorava.
Ok.
Na quinta-feira passada, era meu aniversário e estava desanimado, não ia fazer nada, mas três amigos apareceram de surpresa e me tiraram daqui. Fomos em um bar aqui do lado, meio morto, mas meu amigo queria tabaco e não tinha, então migramos para outro bar.
Coincidentemente, um outro amigão meu estava sentado em uma das mesas desse segundo bar. Quando olhei, a garota em quem eu vinha pensando estava sentada nessa mesa também”.
Ficamos um tempo conversando sobre a possibilidade dele ter previsto o encontro, por intuição, ou se de tanto pensar nela materializou o encontro.
Invadimos campos de que poderia ser uma mistura dos dois, de que a realidade na verdade acontece o tempo todo e prestamos atenção a só uma parte dela.
No Brasil, prestar atenção à realidade é uma negociação entre se manter são e não recusar o que se coloca nas nossas mãos, e mais, nas nossas ideias. Se existe um despaís, existe também a possibilidade de nos organizarmos coletivamente para desorganizá-lo.
Desorganizar o projeto instituído de ódio.
Nesse campo, as coincidências são justamente nossa abertura à desorganização, uma pequena graça do mistério, uma etapa sutil da vida que tem ficado soterrada.
É como se tudo aquilo que não conhecêssemos dissesse: existe uma vida por baixo da vida, uma vida que realiza os encontros de forma mais interessante, despretensiosa, de uma forma até charmosa que diz: “vocês não sabem nem da metade”.
Não se entregue. A realidade é dura, é sim, negar isso não nos coloca em uma posição interessante. Todavia, preste atenção aos pequenos presentes do material cósmico: ele grita que existem mais possibilidades do que nos permitimos perceber, e iniciar uma outra vida a partir dessas janelas do infinito é um caminho da terra também.