a sutil perda da vida tátil - parte II
havia uma tentativa na newsletter anterior. mas não havia o coração na ponta dos dedos.
se a perda da tatilidade é impossível de parar, se ela não pode ser naufragada para sempre em um círculo mais virtuoso de respeito à experiência em si, o que resta do contato?
Na semana passada, introduzi neste espaço um tema que me me é muito caro: a perda da tatilidade. (Se você não leu, pode conferir aqui.) Eu partia de algumas pesquisas que havia feito e do desenvolvimento de ideias que já havia elaborado dentro da minha cabeça e rascunhado em alguns papeis soltos. Mas eu perdi o principal: a tatilidade.
A tatilidade, como abordei no último texto, não se refere apenas ao contato corporal, mas a uma pluridimensionalidade de camadas da percepção. E eu perdi, (justamente perdi!) no último texto, uma das camadas da percepção mais importantes: o coração na ponta dos dedos.
E quero resgatar isso agora porque, de alguma forma, esse resgate consiste também na eventual estratégia de resgate da própria tatilidade. Como?
Ao escrever, ao se entregar a qualquer tarefa, ao manusear um equipamento, ao brincar com uma criança, é preciso que a gente drible a vontade de virtualizar aquela experiência. De fazê-la mais mastigável ou mais agradável. E essa é uma tarefa de relação, de processo e de rotina. É um trabalho.
Um trabalho que precisa do nosso drible. Como se o nosso coração chegasse no baile dizendo: “quero estar aqui”. E por mais que o meu olhar e o meu ego e a minha vontade de virtualizar esteja presente, preciso honrar meu coração.
Honrar o coração dá trabalho.
E esse é um trabalho. É apenas mais um trabalho.
Porque esse é um trabalho que vale a pena tentar desenvolver? Porque ele coloca a honestidade no centro da vida real. Se a gente for honesta, sabemos que nenhum vídeo de pôr do sol é melhor que o pôr do sol em si. Mas dá trabalho ter honestidade de coração com a gente.
Testei minha teoria e fui à praia. Perdi tempo virtualizando minha experiência? Sem dúvida. Como disse, driblar a falsa visualização dá trabalho. Fiz um ou dois vídeos, o mar estava belíssimo. Então, bem devagar, comecei a colocar meu coração.
Primeiro, na ponta dos dedos dos pés. A areia. Depois, no cabelo. Como é a primeira vez em que a cabeça interage com a água abaixo da superfície, no primeiro mergulho?
não há resposta porque a experiência não demanda (ainda bem) a descrição definitiva daquele evento experimentado.
requer gosto. gostar de estar. gostar de. requer o não gosto. requer também a não aceitação. requer as coisas feitas com a honestidade do aqui. coração na boca, gente. coração nas mãos, nos pés. coração na barriga.
o corpo quer honestidade.